sexta-feira, 22 de março de 2013

Literatura da periferia: semeemos!


 

Sou um poeta engajado. Assim, não posso dissociar a poesia da ação.
Tudo que é cultural permanece essencial aos nossos olhos.
Aliás, a política não mereceria uma parcela sequer de energia
se não se justificasse por um projeto cultural

Aimé Césaire, poeta e ativista martiniquenho da negritude (1913-2008)


Nos dias 15, 16 e 17 de março, participei do I Seminário de Literatura da Periferia que aconteceu no CCJ - Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de SP. Além do Seminário, aconteceu também uma feira de livros da periferia e edições independentes, além de oficinas, lançamentos e apresentações de dança afro e rap com Odisséia das Flores. Uma semana depois, tenho o tempo como irmão da reflexão.
 
Feira literária contou com a presença de autores e autoras nos 3 dias

O Seminário contou com eixos temáticos que orientaram cada um dos 3 encontros. Resumidamente, os eixos eram: Literatura da periferia e política, Teorias e práticas que se entrelaçam na educação e na literatura da periferia, e Entre as frestas e a forma, a presença estética na literatura da periferia.

Os coletivos Elo da Corrente, Poesia na Brasa e Projeto Espremedor, organizadores do Seminário, apontaram a fim de abordagem 3 elementos que compõem a criação literária da periferia. Além do valor literário e oral em si, a literatura da periferia manifesta também dimensões política, educativa e estética que lhe confere identidades.


 Primeiro dia do Seminário: Nelson Maca, Diego Arias e Ruivo Lopes

O tema do primeiro dia foi Literatura da periferia e política. Na roda, eu, Nelson Maca (Sarau Bem Black, da Bahia Preta) compartilhamos com quem participou algumas idéias que cada um defende a partir do tema sugerido pelo Seminário. Maca, sem fazer curva, abriu os caminhos para as idéias com poesia e apresentou alguns pontos do Manifesto daLiteratura Divergente ou Manifesto Encruzilhador de Caminhos, no qual a textualidade - e outras possibilidades - negra surge como essência. Eu optei pela abordagem do combate e situar a criação literária da periferia num campo de batalha ocupado pela literatura dominante. A saber, criação literária como estratégica e, portanto, para além das letras, campo de batalha como território (físico e subjetivo) em disputa, e literatura dominante como aquela produzida e reproduzida na imagem e semelhança dos pilares sociais conservadores da dominação. A roda foi mediada pelo Diego Arias, do Poesia na Brasa.

Segundo dia do Seminário: Celinha Reis, Chellmí e Allan da Rosa

No dia seguinte, Celinha Reis e Allan da Rosa entraram na roda para abordar o tema Teorias e práticas que se entrelaçam na educação e na literatura da periferia. Com anos de experiência como professora da rede pública, Celinha fez uma abordagem da literatura da periferia de fora para dentro da escola, apontando para a dimensão educativa e libertadora dos textos da periferia. Allan da Rosa foi buscar na própria vivência, olhares, histórias, despercebimentos e demais elementos do cotidiano da periferia para conduzir sua narrativa questionadora e avessa a modelos que limitam novas possibilidades literárias. Neste dia, a roda foi mediada pelo Chellmí, do Poesia na Brasa.

Terceiro dia do Seminário: Érica Peçanha, Michel Yakini e Cidinha da Silva
 
No último dia do Seminário, a escritora Cidinha da Silva e a pesquisadora Érica Peçanha entraram na roda para abordar o tema Entre as frestas da forma, sobre a estética presente na literatura da periferia. Em outra ocasião, eu já havia apresentado a Cidinha como uma prosadora de mão cheia. Mas ela também é prosadora na fala questionadora e na criação literária afrocentrada. Por um lado, para ela, a criação literária pode ter rumo próprio sem conter um discurso político em si, mas mais como possibilidade de quem lê suas narrativas.  Por outro, sugere o enegrecimento da literatura da periferia e seus territórios de manifestação, como, por exemplo, os saraus. Érica pela primeira vez pôde apresentar sua pesquisa num encontro organizado por alguns protagonistas do universo do seu livro Vozes Marginais na Literatura e foi além na sua ideia. Destacou a realização dos saraus como espaço de formação para além das letras, que a performance tem papel importante para a poesia da periferia e apontou o reconhecimento comunitário do poeta. Ela também chamou a atenção para a ainda pouca participação ou visibilidade da mulher como protagonista na literatura da periferia. No último encontro do Seminário, a mediação da roda ficou por conta de Michel Yakini, do Elo da Corrente.

Foram 3 dias de encontros para trocar idéias sobre outras dimensões possíveis da literatura da periferia. Alguns participantes levaram para os encontros acúmulos e reflexões de momentos e experiências que aconteceram anteriormente. A diferença de geração que se fez presente, os vários caminhos que cada um tomou pela literatura e que foram apresentados ao longo do Seminário, não impediram a palavra de correr solta entre os participantes. Pelo contrário, a todo o momento alguma citação situava as referências de quem a pronunciava. Nomes como Abdias do Nascimento, Milton Santos, Cuti, Paulo Freire e mais, surgiam para reforçar certo legado.

Algumas idéias que atravessaram os encontros surgiram quase sempre nas beiradas dos saraus. Idéias apresentadas e problematizadas por sujeitos coletivos e lançadas entre um poema e um canto ou entre um conto e um ponto.

Certo é que o I Seminário de Literatura da Periferia mobilizou e articulou gente interessada na troca de idéias e na reflexão sobre apenas algumas dimensões nem tão explícitas do que se está fazendo e chamando de literatura da periferia. É neste sentido que afirmo que o tempo é o irmão da reflexão.
 


Participantes durante os 3 dias de Seminário

Acabou o Seminário, mas a roda continua. A abordagem de temas entrelaçados a criação literária da periferia não está esgotada. O próprio Seminário mais abriu caminhos do que fechou.

Seminário quer dizer também viveiro de plantas. Lugar onde sementes são muito bem cuidadas, sem pressa, para depois de germinadas e fortalecidas as raízes serem lançadas em territórios onde a sobrevivência vai depender primeiramente do enraizamento e conquista do espaço.

Semeemos!
 
 
[Registros poéticos de Sonia Regina Bischain, veja +]

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