quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A democracia passa ao largo dos presídios brasileiros

Foto: Divulgação

A democracia passa ao largo dos presídios brasileiros

Tenho recebido informações sobre o massacre ocorrido no presídio Anísio Jobim, no Amazonas, norte do Brasil. As informações ajudam a montar um quebra-cabeça sinistro que no conjunto contribui para que possamos compreender que o massacre de 60 pessoas presas não foi fruto de geração espontânea. O massacre era uma tragédia anunciada. 

Como defensor dos direitos humanos que conheceu de perto unidades de privação de liberdade no estado de São Paulo, repito, categoricamente, que, a despeito de presos organizados em grupos rivais no interior dos presídios, assim como de uma organização privada ter recebido milhares de reais para fazer a gestão das unidades prisionais, uma vez sob custódia judicial, a responsabilidade pela preservação da dignidade humana das pessoas presas é inteiramente do Estado, não só a representação do Amazonas, mas também a Federal.

Portanto, nem governador e seus secretários, nem ministro da justiça e seus representantes locais - que já tinham informações desde 2015 do que poderia acontecer e não tomaram medidas preventivas necessárias e suficientes -, estão isentos de responsabilidade pelo horror das mortes nos presídios do estado.

O que ocorreu no Amazonas pode acontecer a qualquer momento em qualquer outro estado, uma vez que a superlotação e as péssimas condições são regra nos presídios brasileiros.

Em 4º lugar no ranking mundial de pessoas presas, no Brasil, onde não há pena de morte, uma pessoa é assassinada a cada dia em presídios. São Paulo, por exemplo, tem a maior população carcerária do país, são aproximadamente 232.502 pessoas presas em unidades de privação de liberdade. Um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

Embora tenha optado ainda pelo silêncio, o presidente Michel Temer, que, cinco dias após outro massacre, o do Carandiru, em 1992, tinha assumido a secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, também tem sua parcela de responsabilidade como chefe de estado.

Certamente, pela repercussão internacional do caso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em outras ocasiões já havia chamado atenção do país pelas práticas sistemáticas de tortura, maus tratos e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes nas unidades de privação de liberdade, interpelará o Brasil por mais este massacre.

Quando isso ocorrer, ficará claro a responsabilidade das autoridades brasileiras quando tiverem que dar explicações consistentes perante o órgão que tem prerrogativas para condenar países e autoridades por autoria ou omissão de violações de direitos humanos, como é o caso do Brasil.

O problema começa com o Judiciário que opta pela entrada cada vez mais elevada de pessoas nos presídios brasileiros. O mesmo Judiciário é omisso no monitoramento das execuções penais previstas em lei.

Neste sentido, o Brasil caminha para um colapso em seu sistema prisional há muito tempo denunciado por organizações de defesa dos direitos humanos.

Desde o fim da ditadura civil-militar, a democracia passa ao largo do sistema prisional brasileiro. Sobra pena demais para negros e pobres onde há ausência de direitos e cidadania. O resultado disso é o medo e a violência generalizada, caminho aberto para a barbárie que não se limita aos muros dos presídios brasileiros.

O Estado precisa rever seus sistemas de Justiça, Penal e Prisional. Desencarcerar é uma política humanitária que o Brasil precisa adotar com urgência!

Ruivo Lopes, educador, pedagogo e defensor dos direitos humanos.

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